A
primavera chegou e como o homem não tinha tempo nem para se coçar, fui de barco
ao Barreiro. A full experience de
estar no centro do antigo império português, ou Terreiro do Paço para os
turistas, e entrar no barco da Soflusa com aquele efeito de jetlag, que me dá o balanço das ondas,
foi bestial para abrir o apetite. 8 Kms depois, sim é só isso, estava no
Barreiro. O Nick chegou no carro da
mãe e assim que iniciámos viagem para a Baía
do Tejo (mega local industrial onde está o Estúdio King) a conversa discorreu. Desde os amigos em comum à
nossa visão do mundo, eu e o Nick, a
Amadora e o Barreiro, estavam já na conversa.
Mas quem é este tipo?
No
Barreiro todos o conhecem, garanto-vos. Nick
Nicotine, ou Nick Suave, ou Picos, ou Alexandre, ou Carlos Ramos,
como está registado na Conservatória do Registo Civil tem 36 anos, e sempre
viveu e trabalhou no Barreiro. Foi designer, telefonista, guitarrista,
baterista e é inventor de múltiplos projectos ligados à música, sempre sem
acreditar em normas ou a corresponder a
padrões. O ímpeto artístico, ficaria sempre, mesmo com alguma desgraça, se
deixasse de ser músico se calhar pintava mais. O Nick pinta? (Agora é que reparei que esqueci-me de perguntar, pá!) Importante,
o Nick é sobretudo conhecido pelo Estúdio King e pela Associação Hey Pachuco, criadores e organizadores de um dos mais
genuínos festivais portugueses, o Barreiro
Rocks.
Mas porquê tantos nomes?
Muitos
são os nomes, mas o amigo Nick não
faz ideia do porquê de ter tantos nomes, mas Carlos vem do pai, Alexandre vem
do senhor que servia bolos no Parque, e não ficou Maurício por pouco. Não
fumava, mas o nome ou nickname que
lhe calhou, numa das suas primeiras bandas, era Nicotine Nick, coisa que ele achou que trocado soava melhor. Mas
depois de tantos anos a fumar, parou e até achou que trocar para Nick Nicorette no facebook seria
apropriado, mas acabou por ficar Nick
Suave, que em português ou inglês soa sempre bem. Mas isto, para ele são só
nomes, como na sua Nick Nicotine Orchestra
que muda de nome em alta frequência, onde sempre que entra algum elemento novo,
nasce um novo nome. Mas como fazer o Nick
falar de outras coisas, que não música?
Tempo livre?
Comecei
pelas perguntas mais parvas… tens tempo livre, Nick? “Não tenho muito e às vezes custa-me desligar. Mas se passo
dois ou três dias… imagina que vou de férias… nunca tenho férias de mais de
cinco dias. O ano passado tive que levar algum trabalho, e nos primeiros dias
ainda andava na azáfama de fazer coisas, e depois ao terceiro ou quarto dia não
tens nada para fazer e depois vens embora.”
Música
Então
que tipo de músico és? “Dentro da área da música comecei por tocar piano, mas
rapidamente percebi que não ia ser um gajo com aquela dedicação a um
instrumento, não ia ser um instrumentista. Ou seja o que eu queria mesmo era
fazer música, rapidamente largo o piano e agarro-me à guitarra e depois pego na
bateria e pego no baixo e depois nas teclas outra vez e vivo bem assim a
música.”
O subúrbio
Nick, haverá mais criatividade nos
subúrbios para criar tantos projetos artísticos? “ Acho que tem a ver com, que
quando és do subúrbio rapidamente te apercebes que há uma diferença entre o
subúrbio e outro lado. Naquela banda, peça de teatro, os Bro-X, temos uma música chamada Suburbanos,
em que pelo meio da brincadeira, temos um refrão LX tu não és XL. Uma das
coisas que promove a criatividade é a fluidez em que promoves contactos.
Permite-te estar em contacto, não é estanque. As pessoas conhecem-se todas, o
que te permite trocar mais ideias, criar mais. Conheces as pessoas daquelas
áreas, se calhar partilhas um bocado mais e depois há toda essa questão de
veres acontecer do outro lado e se calhar desde criança perceberes que aquilo é
uma coisa e que tu te questionas daqui para ali são 8km em linha recta, porquê
não acontecer aqui.”
Preferes o Barreiro?
“Qualidade
de vida aqui deste lado é melhor, mexo-me melhor, meto-me em Setúbal em 20
minutos, vejo isso do ponto de vista do lazer, eu vejo sempre que posso ir à
Arrábida e gosto muito de visitar Lisboa. Um meio pequeno promove uma
identidade mais forte, se calhar defines-te melhor por vezes, podes não ser tão
plural mas estás mais definido.” Mas achas que Lisboa não conhece o subúrbio,
ou não gosta dele? “Não digo que não goste, mas tem uma falta de informação
brutal sobre o subúrbio. Mesmo de onde é que fica, quando montei o Estúdio e
comprei uma série de material a pessoal de Lisboa. Fui ter com um tipo a Paço
de Arcos, que nos perguntou mas vocês vêm de onde. Barreiro. Mas vieram do
Barreiro até aqui?” Mas achas que isso acontece porquê? “Há uma grande oferta
em Lisboa, no subúrbio estamos habituados a fazer viagens para ir ver eventos e
os lisboetas nem por isso. Nós estamos muito perto de Lisboa, mas durante
muitos anos tivemos mais espanhóis que lisboetas no Barreiro Rocks.”
Punk is dead?
A
música está sempre presente na cabeça do Nick,
por isso propus-lhe um exercício de imaginação: Num típico bar americano, sem
preocupações de tempo e espaço, estão o Iggy
Pop e o Sid Vicius, com qual
deles vais falar? “Iggy Pop. Porque
tenho muito mais estima enquanto artista pelo Iggy Pop. É muito mais punk que o Sid Vicius, sempre preferi muito mais a versão americana daquele
subúrbio também lixado de Detroit, do que propriamente o punk londrino da
crista e do cabelo espetado. O punk inglês tem a importância de ter posto o
punk nas bocas do mundo, no final dos anos 70, mas o verdadeiro trabalho
musical e inclusive social de raiva e
agitação já estava a ser feito, pelos Stooges,
MC5, bandas do Garage americano à mais de uma década.” Mas o que é que falarias
com o Iggy Pop? “ Das poucas vezes
que me cruzei com ídolos, nunca fui capaz… tenho uma vergonha brutal, fico
maluco a olhar para eles.”
O Perfeito Festival
Tens
festivais de referência? “Os festivais da Norton
e da Krip em Nova Iorque que acontecem
em lojas para 300 ou 400 pessoas. Os grandes festivais andam a dar cabo do
tecido, que havia em alguns países, dos pequenos clubes. Não vou ter a mesma
qualidade de concerto e de experiência que tenho num clube e o que esses
festivais estão a fazer é condicionar todo esse circuito de clubes, dando a
oportunidade de ver ao longe durante 30 ou 40 minutos um concerto em condições
que não são nada.” E o Barreiro Rocks,
como seria sem qualquer constrangimentos, como seria fazer o Barreiro Rocks perfeito? “Era no
Barreiro de certeza. Iria fazer um best
of durante quatro ou cinco dias no mesmo local. Sem preocupação de marcas,
já que teria o dinheiro todo. O pior que tu podes ter é um cemitério de
logotipos por baixo de um festival, isso para mim diz-me logo que aquele
festival não tem relação nenhuma com a comunidade onde se insere, não tem
nenhuma razão para estar ali para além de existir dinheiro e de poder existir,
se tu lhe retiras aquela programação não tem identidade, e uma coisa que o Barreiro Rocks tem é identidade.”
Onde podem ver o Nick Nicotine?
No Estúdio King durante todo o ano, sempre
que pode numa esplanada, ou no seu quintal a relaxar, e no mês de novembro no Grupo Desportivo “Os Ferroviários” onde
dentro e fora do palco faz o Barreiro
Rocks.
Observação:
O
Nick assina os seus últimos textos com um convite para visitarmos o Barreiro e para
lhe oferecer um copo. Assim fiz e de resposta saiu um: aceito água, que estou
doente. Como ele já tinha uma garrafa de 1,5l fiquei com um rain check para a próxima vez. Nick, está combinado!
Agradecimentos ao Café da Rua da CUF pela
mesa, cadeiras e acesso à ficha eléctrica. Esta entrevista começou num carro,
continuou no mausoléu do Alfredo da Silva, passou por um café e terminou à
porta do Estúdio King J
0 comentários:
Enviar um comentário