Conversa com João Moreira




“A teoria da Léria”


Um artista de variedades, pelo que já fez e pelo que ainda vai fazer, aparece em tantos e variados conteúdos que é mais conhecido pelas personagens do que pelo seu próprio nome. João Moreira talvez não vos diga nada, mas Bruno Aleixo se calhar já vos dá vontade de ler esta conversa com este guionista, pensador, actor performático, cantor e criador de vozes de trinta e três anos.

Armazéns do Chiado
Combinámos às três da tarde, e depois de atender o João a desculpar-se com o tempo que demorou a almoçar, fiquei ali a pensar em como começaria a nossa conversa. Conheci o João como vocalista dos The Macaques num concerto na PTBluestation, em que apesar de só terem um alinhamento com quatro temas, foi uma das bandas mais aplaudidas naquele palco subterrâneo. Se foi pelas repetições das letras ou pelos encores do público, a verdade é que fiquei curioso sobre quem era aquele tipo meio tímido de Coimbra. Estava por ali rodeado de hipsters e viajantes no tempo, (Esta frase funciona dentro dos dois contextos, metro e chiado.) quando me lembrei. Já sei, começo por lhe pedir desculpa. Comecei a falar com ele, mas enganado falava com o João Pombeiro, outro dos GANA (Guionistas e Argumentistas Não Alinhados.), com o qual pelos vistos é comum ser confundido. Como é que foste capaz, Pedro? Pensei tanto nisso que me calei. Ninguém precisa de saber, não é?

Louie Louie
Chegou exactamente à hora que me disse que chegaria atrasado, falei-lhe da loja Louie Louie um pouco abaixo nas escadinhas do Santo Espírito da Pedreira, e para lá fomos, acho que nem me lembrei mais da parvoíce do engano e já sentados, eu pedi um café e ele nada. Iniciei os rituais da pré-conversa (Teimosia minha.) e já entendidos comecei a gravar. Agora que oiço as gravações, começo a achar que a forma que tenho para dizer bem vindos a mais uma conversa do café dos artistas, sobe demasiado no fim L.

*Para os que ouvirem esta gravação, avisa-se que o João, apesar de não ser da Bairrada, tem o sotaque da região, que segundo ele é o sítio onde se fala mais rápido em Portugal, mas isso podem verificar vocês mesmos na faixa audio mais em baixo.

Variedades
Um artista, que mais pelas variedade do que pelas variedades como categoria, é um artista de variedade. Perguntei-lhe isso e ele assume que até a cantar é performativo, rodeado de músicos profissionais os The Macaques por exemplo, são um happening que, segundo ele, é melhor não repetir muito, que com o Papagaio Cantor se organizaram em eventos e festas variadas com esta e outras bandas. Mas comecemos pela pergunta que ficou da Melânia Gomes, que é isso que eu tinha planeado no meu caderninho azul. Insisto, que eu quero ser organizado.

Alguma vez já comprometes-te os teus princípios para teres um trabalho?
“Se já baixei as calças? Não baixei as calças. E eu acho que essa é uma das razões pelas quais, com trinta e três anos, ainda vivo com a minha mãe. Se calhar não baixei as calças as vezes que devia.” Aqui ainda me estava a habituar à velocidade do artista, e admito que ouvi três vezes antes de registar em texto. É difícil entrevistar vozes que conhecemos de outras criaturas, ganhei vontade de lhe pedir que fizesse a voz do Homem do Buçaco, mas retraí-me. (Por agora.).

Coimbra
O João gosta mais de cidades pequenas do que cidades grandes, Lisboa seria a opção mais lógica, mas mesmo que tivesse que cá vir, uma vez por semana, prefere voltar ao sítio que lhe é mais confortável, que no caso dele aconteceu ser a cidade de Coimbra. Acaba por perder as festas onde poderia conhecer mais pessoas, mas também não é desse tipo de festas que o João gosta. Mas o que é que o João gosta?

Pintura
“Sempre quis seguir uma carreira artística, primeiro segui a mais visual e depois acabei por optar pela mais narrativa.” Mas nem acha que sejam incompatíveis. Até porque no início, a banda desenhada, que tinha o lado visual e o lado narrativo era o que mais fazia. Mas o que é que pintavas? O seu estilo de pintura ficou prometido que me seria enviado, em alguns exemplos do que pintou enquanto aluno. O João acha que a pintura, tal como a música instrumental nem sempre é explicável, que pode às vezes ser apenas um exercício visual. Sendo que sempre gostou da tentativa que as pessoas faziam para explicar os seus quadros. Fez algumas exposições em galerias mas depois começou a fazer Rádio Universidade de Coimbra, e perdeu-se um pintor, por agora, nunca se sabe, rematou.

Léria
“A léria existe desde que eu me lembro.” Esta foi uma palavra que fui investigar, e que ele diz muito quase como se fosse um statement ou uma teoria científica, e que significa basicamente que um lérias é um indivíduo que fala muito mas não faz nada de útil. Aqui o João lembrou um exercício que costumava fazer nas aulas do curso de pintura em que só depois de acabar o quadro é que se lançava na memória descritiva das decisões tomadas (Assim se chamava o exercício obrigatório.) E aqui o João inventava, e a léria funcionava. Fiquei com a clara ideia que afinal já conhecia mais lérias.

Argumento
Da pintura ao argumento foi um salto, ou melhor, uma viagem de Coimbra B para a Gare do Oriente. A localização da Restart, então no Parque das Nações dava muito jeito, era só sair do comboio, ir à escola e de volta para casa no comboio. Começou o curso de argumento e conheceu o Fernando Alvim, para o qual começou a escrever umas rubricas para o programa dele na SIC Radical. Experimentou trabalhar na EURO RSCG em publicidade, que também era logo ali ao lado da Restart, onde fez o trabalho mais macaco, cartas, newsletters, e spots de rádio. “Como o salário só dava para comboio, renda e comer sopa todos os dias, voltei para casa.”

Teatro
Em casa ficou cheio de tempo e decidiu ocupar-se com o curso de formação teatral do TEUC, onde fez o Sonho de August Stringberg, como exercício final. Mas antes experimentou, num exercício interno, a Tempestade de William Shakespeare, onde a liberdade de os actores poderem dizer o texto por outras palavras, sem ser forçosamente o texto decorado, agradou-lhe muito mais. Não se cativou muito com a representação, mas do teatro ficou-lhe a vontade de encenar e até já escreveu algumas peças de teatro, para talvez um dia fazer. As minhas dúvidas eram até aqui honestas, nunca imaginaria o João num palco a fazer Shakespeare, mas pelos vistos, fez mesmo. Não fosse o decorar do texto, e a repetição diária das marcações, e acho que ele teria feito mais teatro J

Palco
“Ser apenas actor de um texto é como ser um peão de xadrez, em que não podes improvisar e que os outros estão apenas à espera que lhes digas exactamente a mesma coisa todos os dias, quando é muito mais giro ser torre ou bispo.” Gostei desta analogia com o xadrez, não sei se concordo com ele, mas gostei mesmo muito desta analogia.

Aleixo
Agora sim, a história do Aleixo. Já conhecemos de onde vem o João, vamos lá ver como chegou ao Bruno Aleixo. Esta é a única história que o João tem decorada e que não se importa de repetir, mas que mesmo assim pode dizer por outras palavras. Pelos vistos houve uma altura em que escreviam muito para o Fernando Alvim, e desta vez ele precisava de um texto para uma rubrica do Sapo Vídeos, sendo que o desafio era escrever algo completamente diferente. Saiu um texto em que o Alvim vinha de um funeral de um amigo, em que o amigo lhe tinha deixado uma cassete que dizia: no dia em que eu morrer, vê esta cassete. A cassete era de um Bruno que lhe deixava uma série de conselhos. 

O Alvim não pegou na ideia e eles decidiram avançar de outra maneira. O nome Aleixo aparece depois com a ideia dos conselhos que vos deixo / este livro que vos deixo… Bruno Aleixo. Colocaram na net três conselhos e o Nuno Markl gostou tanto do que viu, que lhes pediu para escreverem a famosa cena dos carapaus à espanhola. Daí mais conselhos do Bruno Aleixo foram feitos, para a SIC Radical e para um canal do Sapo Vídeos.

Tinha de lhe perguntar o que é a criatura do Aleixo, um ewok porquê? O João diz que há uma razão muito boa, para além de ter uma boa cara, mas é um segredo que nunca irão revelar. Só decidiram mudar o animal, para não terem que se preocupar com direitos já adquiridos. Agora, temos de agradecer ao Sr.George Lucas, pelo Aleixo ser a mistura de um cão com vários outros animais.

Sobre o sucesso, imediato, do Bruno Aleixo, que é um tipo de humor de nicho que não havia por cá, o João imaginou que haveria algum sucesso, mas no Brasil foi uma surpresa apesar do sotaque da Bairrada com palavras e expressões mais brasileiras, inspiradas pela mãe que é de São Paulo. A mãe do João não a mãe do Bruno.

“Encher o saco, era para mim uma expressão portuguesa, que ouvia nas novelas e em casa, visto a minha mãe ser de São Paulo.”

O Bruno Aleixo está vivo e recomenda-se, em breve terão oportunidade de ver um especial, e até já têm uma longa metragem escrita para ser produzida em breve ;-)

Mas que tipo de artista é o João Moreira?
“O meu processo criativo é tendencialmente caótico, não acredito na romantização da coisa, as ideias podem ser desencadeadas em qualquer lado e em qualquer situação. Mas consigo trabalhar sobre encomenda ou pressão.” Resposta concisa e clara, gravada e registada. 

Referências
“Não consumo humor, gosto mais de séries dramáticas com continuidade, como o The Wire com personagens coerentes e com vida do que bonecos que comecem e acabem no mesmo episódio.” É curioso o preconceito que muitos imaginam, ainda, possível, de cómicos a só verem comédias e de intelectuais a só verem a Downton Abbey. Pensei aqui, mas não lhe disse nada. 

Como financiar humor na net?
“Os conteúdos do Bruno Aleixo são muito net friendly, e temos conseguido financiar com algumas marcas, sendo que as visualizações em Portugal e Brasil têm superado expectativas apesar de ser um produto em português.” Mas no futuro, o João acredita que haverão mais oportunidades, visto que no Brasil há conteúdos como os vídeos da Porta dos Fundos, que têm dois milhões de visualizações logo na primeira semana. Os vídeos do Bruno Aleixo têm, em média, cinquenta ou cem mil visualizações. Mas as personagens também podem evoluir para outros conteúdos, como campanhas publicitárias, como foi o Paulito para a TMN, novamente activa. O que também é bom e até deu para o João conseguir comprar um carrito.

Lancei-lhe o tal desafio

Pedi-lhe, como já começa a ser tradição, uma pergunta para o próximo artista: Diz-me um bom restaurante, qualidade/preço em Lisboa. Para que saibam, logo nos dias a seguir tive de lhe ir enviado sugestões, tal era a pressa de ter respostas a esta pergunta.

Fechámos com um passou bem e o João lá voltou para o conforto de Coimbra, no seu carrito.

Onde podem ver o João Moreira?
Anti-social na SIC Radical, a estreia do João Moreira como apresentador, com blazer prometido. Ah, e o tal de Bruno Aleixo, aqui:








Agradecimentos à Loja Louie Louie, ao Hugo que baixou o volume da música, à Maria João pelo desconto de 10 cêntimos no café, e ao Jorge que nos arranjou uma mesa e duas cadeiras para esta conversa.

Esta entrevista foi realizada no dia 30 de Janeiro de 2014, foto de Carlos Barradas.

António ©João Moreira

+ Galos ©João Moreira


6 comentários:

  1. obrigada por poder finalmente ler e ouvir uma entrevista com o João/Aleixo

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  2. Respostas
    1. Obrigado, fico desde já comprometido com o erro. Está corrigido caro amigo :-)

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  3. Comprometeste ainda está mal escrito... e *Haverá* mais oportunidades, já agora.

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  4. Não encontro a gravação da entrevista :/

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escritor de personagens

Pedro Saavedra é um sonhaador com dois aa. É um artista que escreve, representa, pensa e programa como alguém que gosta (sempre) de acordar todos os dias. Formado pela ESTC, já foi actor, escritor, professor, encenador e programador. Foi professor de expressão dramática durante 5 anos. Foi director artístico, de uma companhia de teatro na cidade da amadora, durante 8 anos. E foi programador, de uma estação de metro no centro de Lisboa durante um ano. Actor em novelas, séries e filmes, também faz locuções, mas só ficou famoso uma vez por dizer na televisão: Este canal acaba de ser comprado pelo Sr.Nuno Cabral de Montalegre e a partir deste momento só passará folclore transmontano.

aprendeu com

Eusébio Paulino, Paulo Barcelos, João Mota, Glicínia Quartim, Glória de Matos, Anna Paula, Rui Mendes, Duarte Ivo Cruz, Paulo Morais, Eugénia Vasques, Valentim Lemos, Kot-Kotecki, Alexandre de Sousa, Águeda Sena, Natália de Matos, José Pedro Caiado, Fernanda Lapa, Filipe Crawford, Carlos J. Pessoa, Armando Nascimento Rosa, Abel Neves, Luca Aprea, Maria João Serrão, José Peixoto, Eimuntas Necrosius e Nuno Carinhas.

trabalhou com

Carla Chambel, Joaquim Benite, António Assunção, Luís Vicente, Teresa Gafeira, João Mota, Álvaro Correia, Carlos Paulo, Pedro Alvarez-Ossorio, Vlado Repnik, Robert Klancnik, Igor Stromajer, Joana Brandão, Joana Seixas, Margarida Cardeal, Pedro Matos, Gonçalo Portela, Vladimiro Guerreiro, Ana Cloe, Pedro Gil, Susana Arrais, Ana Costa, Ricardo Mendes, Alberto Quaresma, Miguel Damião, Rui Unas, Inês Castelo Branco, Dânia Neto, Sandra Faleiro, Ian Veloza, António Cordeiro, Tiago Guedes, Juvenal Garcês, Pedro Luzindro, Ricardo Cruz, Luciano Burgos, Martin Joab, Paulo Patraquim, Cristina Basílio, Alexandra Sargento, Ana Guiomar, Rogério Jacques, Frederico Amaral, Adriana Moniz, Lucília Raimundo, Tomé Quirino, José Pais, Rui Melo, Rui de Sá, Henrique Câmara Pina, Francisco Baptista, Márcia Leal, Toninho Neto, Joana Cruz, Susana Romana, Fernando Alvim, Rui Miguel Pereira, Miguel Valverde, Joaquim Leitão, Ema Cerveira, Miguel Bica e Tiago Sigorelho, entre outros.