“A Crise do Drama”
Algures
no terceiro andar de um prédio da Rua da Atalaia ao Bairro Alto, estou sentado
num daqueles sofás de casa partilhada por estudantes de várias universidades.
Estou à espera do meu amigo e cenógrafo do Teatro do Silêncio, nome do grupo a
que chamava o meu grupo de teatro. Muitas eram as vezes em que discutíamos o
futuro do teatro e as produções inimagináveis possíveis desses tempos, e esta
conversa era apenas mais uma naquela casa. Algures nessa pausa aparece-me um
rapaz grande como o caraças e calmo como uma brisa apresenta-se: Olá, sou o
Rui. Estava na casa do Mário Pires Cordeiro, e aquele rapaz era o Rui Pina
Coelho. Vinte anos depois finalmente demos seguimento à nossa conversa com um
típico de onde é que nos conhecemos?
Mas quem é este tipo?
O
Rui Pina Coelho tem 39 anos e nasceu em Évora. É professor de história do teatro
e de dramaturgia na Escola Superior de Teatro e Cinema. Durante cinco anos foi
critico de teatro no jornal Público e
faz parte da Direcção da Associação Portuguesa de Críticos de Teatro. Como
dramaturgo, tem colaborado regularmente com Gonçalo Amorim, no TEP, e começou a
fazer teatro, como actor, na Sociedade Operária de Instrução e Recreio Joaquim António de Aguiar, em Évora. Vive em Lisboa e tem dois filhos.
Que lugar é que a tua profissão ocupa na
tua vida?
Começámos
a quebrar o gelo com uma pergunta deixada pelo actor Pedro Górgia. “Eu tenho
sido um amador quase a vida toda, tenho assim de responder a dois tempos a essa
pergunta. O epicentro da minha profissão é ser professor, é o que me ocupa a
maior parte do tempo, aquilo que me sustenta. Mas tenho-me também mantido,
desde os 16 anos, como amador em várias funções dentro do teatro, sempre à
volta do teatro. Eu sou um tipo com muita sorte porque só faço aquilo que
gosto. Mas só trabalhaste em teatro? “Não. Durante cinco anos fui um turbo
professor, dava aulas a 200Km de casa, fazia 200Km por dia para ir dar duas
horas de aulas. Era muito novo. Achava que tinha tempo para fazer tudo e mais
alguma coisa, mas depois interrompi isso.”
Teatro Amador versus Teatro de Amadores
Tudo
começa, para o Rui, em Évora. Conta lá o
que é a S.O.I.R.? “É uma daquelas sociedades operárias fundada no princípio
do século XX, republicanas. Tiveram depois um papel interventivo de resistência
ao Estado Novo. Nos anos 60 e 70 foram charneiras de movimentos de teatro de amadores.
As pessoas com quem eu trabalhava lá era malta que tocou com o Zeca Afonso, que
esteve envolvida nas campanhas de alfabetização… uma mistura de muitas gerações,
desde elementos com 80 anos, a miúdos com 10 ou menos.” Mas lá, eras sobretudo actor?
“Fazíamos de tudo. Organizávamos um festival a cada dois anos, limpávamos o
chão, pregávamos cenários. Era uma comunidade, como uma escola em que se
aprendia de tudo.” E lembras-te da tua
estreia lá? “Lembro. Entrei a substituir um rapaz, numa peça do António
Ribeiro Chiado, A Prática dos Compadres.
Acho que entrava e entregava uma carta, ou algo do género… eu adoro representar
e os ensaios eram mesmo muito ricos. Formei-me ideologicamente ali, formação
política, social, cívica. Era tudo muito militante, politizado, foi mesmo uma
escola.” Ainda foi muito tempo que
fizeste teatro com eles? “Sim, a minha adolescência toda, 11 ou 12 anos.
Fizemos todas aquelas pequenas peças do Tchekov, do Karl Valentin, essa escola
toda, as peças do Judeu (António José da Silva). Eu apanhei uma altura que
ainda havia grupos de teatro de amadores que depois davam origem a grupos
profissionais. O Teatro da Rainha, o Teatro das Beiras… foram, de certa forma,
herdeiros do movimento de amadores. Tínhamos uma relação electiva com o
CENDREV, em Évora, mas normalmente não tínhamos encenadores profissionais. Quem
dirigia era o João Bilou, que ainda lá está. Eles decidiram nunca se
profissionalizar porque eram militantes do teatro de amadores. E se te apanhavam
a dizer “teatro amador”, isso dava logo direito
a um “ralhete”. O teatro não era amador mas feito por amadores.”
Alentejo(s)
Como
tenho tantos amigos alentejanos ou orgulhosos filhos de alentejanos, quis saber
se o Rui era desses. Évora não é bem Alentejo,
pois não? “Eu percebo o que queres dizer, mas não sei se há vinte anos era
mesmo assim. Estava mais longe de Lisboa do que está agora. Évora era mesmo
Alentejo. E eu sou um eborense dessa altura. Agora visito Évora.” Mas tens aquele orgulho de fazer açorda de
alho em casa? “Não sou orgulhoso a esse ponto, mas no outro dia fiz uma
sopa de beldroegas que não estava nada má. Mas não sinto esses sentimentos regionalistas,
patrióticos ou ligados à terra. Gosto é das pessoas, dos amigos e da família
que lá tenho.
Estudos
Mas
o Rui não começa por estudar teatro, antes entra numa outra escola. Começaste por onde? “Fiz uma
licenciatura em Português e Inglês, mas fazia parte do Grupo de Teatro da Nova.
No teatro universitário, entrei em espectáculos encenados pela Natália Luiza e pelo
Rui Luís Brás. E fui mantendo a minha ligação teatral com Évora. Depois acabei
o curso e fui dar aulas de português e inglês. Mas isso foi pouco tempo. Achei
graça durante uns cinco anos. Dei aulas do 7º ao 12º ano em Lisboa, Évora,
Arraiolos, Coruche, Caldas da Rainha… Por vezes em algumas dessas localidades
no mesmo ano lectivo. Nunca me deitava onde acordava. Depois voltei a estudar
na Faculdade de Letras, onde fiz uma Especialização e, depois, Mestrado em
Estudos de Teatro. Chego à E.S.T.C. em 2006, quando me convidaram para
substituir o professor Duarte Ivo Cruz, que se estava a reformar, e como a
minha especialidade era mesmo história do teatro, fiquei com essa cadeira.” Mas imaginas uma carreira académica?
“Já ninguém imagina carreiras. Isto é Portugal.” Mas tu continuas a fazer investigação e teatro, como é que consegues
ter tempo? “Em duas palavras: não tenho. Tem sido tudo ao mesmo tempo - também
acabei o doutoramento entretanto, sobre a representação da violência na dramaturgia
realista inglesa do pós guerra.”
Críticas
O
Rui faz parte da Associação Portuguesa de Críticos de Teatro, e depois de ler
algumas críticas escritas por ele, não podia deixar de trazer isso à conversa. Faz sentido continuar a haver crítica de
teatro? “Absolutamente. Parte do problema é não haver uma crítica
independente – parcial, apaixonada e política, como dizia o Baudelaire - é
fundamental que haja. O que tem vindo a acontecer, nos últimos anos, é a
crítica ser engolida pelo jornalismo cultural. Deixa-se diluir entre critérios
editoriais e comerciais; passa a ser promoção e reportagem. Isso será o fim da
crítica. Por outro lado, como sabemos, depois da morte da crítica o mundo
continuará. Do mesmo modo que, se amanhã deixasse de haver teatro, o mundo
continuaria. Mas ficaríamos muito mais pobres. Muito mais estúpidos.” Mas havia histórias com críticos que
adormeciam, que eram expulsos dos teatros… “Acho que temos tido uma relação
sempre complicada com a crítica. Às vezes, por graça, digo: a primeira regra
para seres um bom critico é deixares de escrever.” Mas como é que se forma um crítico? “Na APCT fazemos Seminários
para Novos Críticos, à semelhança do que se faz na Associação Internacional de
Críticos de Teatro, onde há muito tempo se faz formação para críticos. Formação
para críticos séniores ou estabelecidos, e para os new ou young critics. Grupos
de críticos que se juntam, normalmente por altura de um festival, e que falam
sobre perspectivas diferentes de entender o fenómeno teatral.” Mas há um modelo? “O modelo é ver e
discutir espectáculos Depois cada critico, consoante a sua formação ou
proveniência geográfica, terá maneiras diferentes de entender o que é a
crítica. Oferece modelos mais herdados da semiótica, outros mais híbridos,
outros da fenomenologia. Variam consoante a formação científica e política de
cada um.” Achas qualquer um pode ser
crítico de teatro? “Sim, mas é um género que precisa de competências
específicas. Precisa de prática, tempo. O tempo é muito importante.” Mas não achas que há críticos que não
criticam? “Hoje é raro encontrar um texto que se assuma como crítica. O
papel do crítico não é sugerir espectáculos ao público, não é ser um
conselheiro ao consumo de um bilhete. Isso não tem nada a ver com a missão do
crítico. O papel do crítico é, parece-me a mim e ainda não me desconvenci
disto, aumentar a zona de impacto de um espectáculo e pôr esse espectáculo em
diálogo com a coisa pública. Por esse espectáculo em diálogo com o mesmo espaço
partilhado pelo discurso do primeiro ministro, o preço do pão ou o resultado do
Sporting. E tudo isso em 3500 caracteres.” Mas
foste tu que decidiste terminar de escrever crítica? “Ainda escrevi durante
cinco anos. Mas queria acabar a tese e precisava de tempo. Tenho dois filhos e
não conseguia ver espectáculos todas as noites. Já nem todas as semanas. Depois
senti que já não estava a ser competente porque deixei de conseguir acompanhar.”
E críticas ao teu trabalho? Do Nós Somos os Rolling Stones não saiu
nenhuma crítica? “Acho que não. Tivemos alguma atenção da televisão e da
rádio, mas críticas nos jornais não tivémos, e depois estamos em Vila Nova de
Gaia – é longe. Há pouca gente a escrever. É uma área altamente precária. Em
2006, quando comecei ,éramos três: dois em Lisboa e um no Porto. Cada um de nós
escrevia dois textos por mês e outros textos mais curtos para o suplemento Ípsilon. Em 2011, continuávamos a ser
três, mas cada um só já escrevia 1,33 críticas por mês. Éramos três a dividir rotativamente
um quarto texto, já sem acesso ao Ípsilon.
Depois disso ainda desapareceu mais. Ninguém consegue ser crítico só, é
impensável.” Mas críticas sobre outros
trabalhos teus? “Já tive, boas e más e acho óptimo, sem brincadeira. Já li
textos sobre trabalhos nossos no TEP, bem argumentados e nada interessados no
espectáculo. E oposto, também, claro, com entusiasmos mais superlativos…” Gostavas de ter vivido na época em que se
esperava pela madrugada, pela primeira crítica a seguir a uma estreia?
“Gostava. A pessoa passa dois ou três meses metido em ensaios e crias uma
narrativa fortissimo em relação ao teu trabalho. Sabes defender o trabalho e
dialogar sobre ele, mas é importantíssimo ser posto em causa.” Dizes sempre o que achas de um espectáculo?
“Tento sim, tento ser franco. Tento sobretudo não dizer banalidades, mas por
vezes não me saio muito bem.”
Dramaturgias
O
nome pesa mas tive de o usar, o Rui é dramaturgo num país com uma dramaturgia
pequenina. Tens essa ideia? “Não
digas isso. Não tenho essa visão. Acho que há muita gente a escrever e bem.
Essa ideia de que o português não tem tête
dramatique, como dizia o Almeida Garrett, é um equívoco tão grande como o
do Júlio César vir à península ibérica e dizer que há um povo na Lusitânia que
não se governa nem se deixa governar. São equívocos históricos. Tretas que se
vão perpetuando. E isso da dramaturgia portuguesa não existir não é verdade.” Mesmo comparativamente com outras
dramaturgias? “A escrita de textos dramáticos vive da actualidade e nós, em
Portugal, durante meio século vivemos em ditadura. Por isso, falar sobre a
actualidade era, no mínimo, perigoso. Ou se fazia com grandes arcos retóricos
ou se fazia com grande distância do que inquietava as pessoas e os próprios
autores, ou então não se fazia. Isso pode explicar um menor número de dramaturgos
portugueses comparando com outros países, mas a verdade é que não há nenhuma
incapacidade do escritor português para a escrita dramática – coisa que os
últimos anos têm vindo a provar. Há um texto que é um marco para a dramaturgia
portuguesa que é o António, um Rapaz de
Lisboa do Jorge Silva Melo. Um texto inaugural que abre uma outra história,
que inicia um novo capítulo, e depois desse tem havido muitos outros autores.
Há muita malta a escrever e bem.” E não
achas que faz falta o mito do grande dramaturgo português? “Ter um
referente histórico? Acho que não. O teatro é do agora e do presente. Cada vez
que vais ler um texto lês sempre com os ouvidos e com os olhos do teu tempo.
Mesmo que um dramaturgo não queira relatar o seu tempo, está manchado e preso pelo
seu tempo.” E o peso performativo nos
textos actuais? “Há de facto uma aproximação tremenda da escrita para o
palco e muitos dos autores dramáticos têm relações privilegiadas com estruturas
teatrais, ou encenam os seus próprios textos. Essa convergência existe.” E os textos de hoje serão feitos amanhã?
“Acho que sim, espero que sim, se forem mesmo bons. Tenho alguns alunos que
escrevem ou que vão escrevendo e reparo que há modas que se deixam entusiasmar por
formas textuais mais… sexys. A
escrita dramática está sempre presa aos tipos de teatro que dominam. Contudo, a
morte anunciada do drama não é certa. Até se nota, creio, um regresso ao texto.
O mundo está a mudar.” Concordas que se
inicia no início do século XX uma crise do texto, terminando a grande época do
texto dramático, da grande narrativa, desde Shakespeare até Tcheckov? “É em
1880 que Peter Szondi identifica a crise do drama. Tem a ver com a revolução
industrial, tem a ver com a mutação do mundo, era um mundo a mudar e agora
também.” O que é que virá ai? “O sítio do texto em relação ao espectáculo é
hoje diferente do que era em 1904, ou em 1998. O sítio colectivo em relação ao
espectáculo é diferente, mas é a mesma coisa ainda. Ainda é texto dramático,
ainda é texto que exige uma representação, corpos e vozes de actores, ainda é a
mesma coisa, não acabou. É certo que existem outros textos não dramáticos que
entram na cena, mas existe ainda o género dramático: textos escritos para
teatro que são herdeiros do Tchekov, do Shakespeare…” Mas não achas que na actual dramaturgia, mais do que textos, temos
guiões de encenação muito bem escritos? “Concordo, mas não acho que seja um
prejuízo para o texto dramático, são sinais dos tempos. Há uma aproximação
entre a escrita e a encenação, entre o texto e o espectáculo - isso é inegável.
Por exemplo, um texto do Tim Crouch ou da Angélica Lidell ou do Pippo Delbono –
que são encenadores que escrevem não só com palavras mas também com os corpos
dos outros, com a luz, criando e compondo em cena – aquilo que escrevem fica
permeável a ser impresso, muitas vezes, a ser traduzido, e que pode ser
decorado por outros e dar outros espectáculos. Fica no mesmo sítio, à mercê do mesmo
que fica um texto do Shakespeare, do Ibsen ou de outro autor qualquer. Essa
aproximação não é prejudicial nem para o teatro nem para a escrita dramática.”
Nós somos os Rolling Stones?
Muitas
vezes a resposta do teatro aos acontecimentos do mundo, demora muito tempo a
acontecer ou respondemos com analogias da Grécia Antiga, o que me faz
impressão. Parece que temos medo de arriscar com a nossa visão actual das
coisas, mas esse não é caso deste texto/espectáculo que está cheio de
referências ao hoje português. Porque é
que pões, no início, dois jovens com insónia no meio de uma rotunda de sentido
único? “A rotunda não é minha, a rotunda é da Catarina Barros, a cenógrafa
e figurinista. A rotunda não vem do texto, a Catarina é que os coloca na
rotunda. O Gonçalo Amorim, que é o encenador deste espectáculo, e que agora é
director artístico do Teatro Experimental do Porto, é um encenador que conheço há
muitos anos. Começámos a colaborar em 2010, na montagem de A Morte de um Caixeiro Viajante de Arthur Miller, em que eu fazia
apoio dramatúrgico. Ao ler o texto percebemos que a tradução que existia, do
José Cardoso Pires e do Victor Palla, se não estou em erro, não correspondia
aquilo que era a nossa leitura do texto. A relação entre mulher e marido era
muito datada pelo Portugal anos 50. E o texto do Miller não tem essa assimetria
entre o casal. Então decidimos que precisávamos de uma tradução nova e fui
traduzir o texto com a minha mulher. A tradução do texto foi uma resposta
dramatúrgica, para responder às necessidades de pensamento sobre aquele
espectáculo. Depois fizemos outro Miller, A
View from the Bridge/Do Alto da Ponte, com o mesmo tipo de trabalho e de
tradução, e isso levou-nos a um pensamento mais sistemático sobre o que
estávamos a fazer. Reparámos que estávamos recorrentemente a discutir a crise
do capitalismo e a trabalhar sobre a violência sistémica que as instituições do
poder exercem todos os dias sobre a vida das pessoas. Como não tínhamos um
texto que falasse disso directamente, fui escrevê-lo. E foi o Já passaram quantos anos, perguntou ele.
Eu começo, assim, a ser autor por necessidade dramatúrgica. O ponto de partida
foi sempre o da dramaturgia. Eu sou um dramaturgista que tem traduzido e
escrito.” Então quando escreves
pretendes dar um discurso à companhia? “O discurso já lá está. Mas tento
tornar esse discurso matéria dramática. No
Já passaram… como nós tínhamos quatro actores, sabia que tinha que escrever
uma peça para quatro actores. Depois inventei-a como quis e fiquei sozinho a
escrevê-la. No primeiro dia de ensaios já tinha discutido o texto muitas vezes
com o Gonçalo, discutido opções. Mas a escrita é minha.” E os Rolling Stones? “Nós pensámos o Nós Somos os Rolling Stones há cerca de ano e tal, quando concorremos
aos apoios quadrienuais. Eu e o Gonçalo pensámos neste espectáculo já há muito
tempo; queríamos discutir a questão da emigração. Pensar por que é que para podermos
ser felizes temos que ir lá para fora. Pensar sobre a mobilidade laboral – que
é um dos meios mais visíveis da violência sistémica existente nas sociedades
modernas. Não fomos atrás dos telejornais. Mas mais recentemente começámos a
sentir necessidade de encontrar um outro tom para o espectáculo. Todos os
espectáculos que temos feito são espectáculos preocupados, políticos, de um
realismo que não se inibe de ir a outras as formas como o abstracionismo, ou ao
expressionismo, mas com um fundo realista. Neste, queríamos que o espectáculo
fosse mais extravagante e que fosse uma coisa insólita. Então comecei a pensar
que tipo de motivo podia ter. Então, lembrei-me que como o texto é sobre
emigração e andar à procura da felicidade (através da emigração), fui buscar o texto
simbolista do Pássaro Azul, do Maeterlinck,
que também é sobre a procura da felicidade. As duas personagens dos irmãos, a
fada, o cão e o gato são evocação desse texto. Depois, o resto é tudo
diferente. Mas também temos um Bob Dylan que é uma personagem que está e não
está.” Mas o texto é optimista ou não?
“O texto é derrotista, mas muitas vezes ou quase sempre, tentamos ser
provocatórios nesse derrotismo. Quando se diz em palco, eu estou derrotado,
isso um gesto retórico. O tom do espectáculo é derrotista e cansado. Os dois
irmãos vão emigrar, na manhã seguinte, para Berlim, quanto são visitados por
uma fada que lhes fala com os argumentos de um Miguel Relvas ou de um Pedro
Passos Coelho, com aqueles palavrões todos, para os provocar.” Citando-te: Há algum sítio onde vais,
quando não consegues dormir? “Não. Tenho insónias e aguento-as porque não tenho
nenhum sítio para onde ir.” És de ficar?
“Sim. Tem sido claro para mim que sim. Tenho muitos amigos, da minha idade,
mais novos e mas velhos,que estão a ir para fora - e tenho outros que insistem
em ficar. Não é um tema que esteja arrumado. E os meus filhos? Estou a
educá-los para irem lá para fora e para eu os ir visitar de avião onde eles
forem morar? E se não tiver dinheiro para o bilhete? São perguntas que me
acompanham. Tenho tido alguma sorte, mas isto é Portugal e amanhã pode ser tudo
diferente.
Deixa-me ai uma pergunta para o próximo
artista…
O
que é que vais fazer para acabar com isto?
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