Conversa com Rita Gomes



“Wasted girls don’t cry”


Seguir as sugestões que o facebook sempre insiste em apresentar, ou ir espreitar blogs só porque alguém disse que sim, parece parvo, mas por vezes funciona. São tantas as ideias miraculosas que o ruído é muito, e no campo da ilustração os manifestos são mais que as mães, logo a ideia que entrevistar uma dessas criaturas deu-me arrepios na espinha. Espreitando a medo o trabalho da Rita, comecei a dar-me a mim mesmo uma lição. A net funciona e há de facto lá coisas que valem a pena conhecer. Marcámos encontro numa tarde mais quente que o costume do fresco Verão de 2014. Eu, vindo de outros sítios e ela vinda directamente de um local secreto, duas frases depois estava apaixonado. Amor à primeira vista? Nah. Lição à primeira vista!

Mas quem é esta tipa?
A Rita Gomes aka Wasted Rita, nasceu no Porto e tem 26 anos. Apesar de ter sido concebida em New Jersey, passou a infância num colégio religioso do Porto. Descobriu na adolescência os Black Flag, banda americana de punk hardcore e estudou design gráfico na Faculdade de Belas Artes do Porto e fez o seu Erasmus em Ljubljana, Eslovénia, onde começou o bichinho do seu nome artístico Wasted Rita.

Pergunta do artista Délio Jasse
O fotógrafo angolano Délio deixou uma pergunta muito pessoal no ar, e calhou à Rita responder. Como é que vês as ex-colónias portuguesas? “Como é que vejo? Muito distantes de todo o meu universo. Temo que não seja o tipo de assunto que possa dar uma opinião que acrescente algo de importante. Não gosto de falar de coisas que não domino.” Mas cativa-te mais o mundo anglo-saxónico? Fazes muitas coisas em inglês… “ Fazer as coisas em inglês tem a ver com o facto de não querer estar presa a Portugal ou à língua, dá-me mais oportunidade de promover o meu trabalho lá fora e de chegar a muito mais pessoas.” Mas pensas em inglês? “Sim. Se tento fazer em português não funciona. Sou dessas palermas que acho que as coisas soam melhor em inglês. Coisas que já fiz em inglês e se as traduzir para português ficam pirosas. Sendo que piroso não é mau, até me agrada, até é uma cena bem portuguesa.” E música portuguesa? “Capicua, adoro. D’Alva e 5-30.” E nunca dançaste ao som do Conquistador dos Da Vinci? “Não, dançar só com Nelson Freitas e Anselmo Ralph. Curto kuduro e sempre que vou lá fora mostro os Buraka.

A fábula
O trabalho da Rita lembrou-me uma fábula sobre um tal escravo que a fugir ao seu amo, encontra um leão com um espinho na pata, escondido numa caverna. O escravo retirou-lhe o espinho e fica amigo do leão. Continuando a sua fuga, o escravo acabou por ser preso e lançado às feras, na arena do imperador. Encontra-se assim novamente com o leão que, naturalmente, em vez de o comer, brinca com ele. O imperador fica tão sensibilizado, que o escravo ganha a liberdade e de presente o leão. Tinha de perguntar à Rita, Quem és tu nesta fábula? O escravo, o espinho, o leão ou o imperador? “Acho que me identifico com todos… o espinho do leão vinha de onde?” Não diz… “Não sou o leão de certeza, porque não conseguia tirar o espinho sozinho. Talvez mais o escravo, pela prova de fogo que ele tem de passar. Nunca seria o imperador eu. Seria um escravo feliz que anda a fazer as coisas da maneira que quer. Eu ando sempre a fugir e isso não tem de ser uma coisa negativa, é uma fuga para me encontrar.

A wasted
Segundo a definição, wasted é: to be extremely intoxicated from the use of alcohol or drugs. A Wasted Rita está extremamente intoxicada do quê? “Há mais definições, e a que realmente interessa é desperdício, o lixo. Wasted vem de deixar de ser um desperdício na minha vida, é um self slap in the face para mim própria para acordar para a vida e começar a fazer o que quero. Não consigo estar no mesmo sítio muito tempo, porque para mim a rotina destrói-me como a heroína destrói um drogado, então tenho de mudar de sítio, é a minha fuga. E tenho muitos sinais, começar a acordar tarde, começar a pensar mais na vida dos outros do que na minha, não ter grande vontade de fazer o que tenho para fazer, ficar meio perdida e não focada.” E que tipo de chapada dás a ti mesma para saíres da rotina? “Ou invento um novo projecto ou mudo de cidade.

As cidades
A Rita nasceu no Porto, apesar de ter sido concebida em New Jersey. A tua infância foi no Porto? “Em Águas Santas, a vinte minutos do Porto, perto de Ermesinde. Eu sempre fui muito esquisita, não sei se muito preocupada com a rotina, mas sempre fui muito solitária mais olhar para os outros e para o que os outros estavam a ver. Não sei como é que os meus pais me deixaram passar a infância sem me levar a um psicólogo. Mas quando era criança gostava muito de rotina. Andei num colégio religioso até aos meus doze anos e era a maior betinha, a melhor aluna, só que era a única que não ia às aulas de catequese. Fiz o secundário em Águas Santas e depois é que fui para as Belas Artes no Porto. Eu mudei muito nestes últimos dois anos com o Wasted Rita, que foi uma mudança de vida que começou a ser a minha vida, foi um acordar.” Mas foste feita em New Jersey? “Os meus pais estavam emigrados na América. O meu pai marcou um date com uma senhora qualquer mas apaixonou-se pela sua roommate, que era a minha mãe. Eles conheceram-se lá, casaram lá, tiveram lá a minha irmã, fizeram-me a mim lá, e três meses antes de eu nascer decidiram mudar-se para Águas Santas. É essa a minha relação com New Jersey.” E a cidade de Ljbljana? “Isso foi a minha primeira experiência fora de Portugal e fora da casa dos meus pais, e foi onde começou o bichinho da Wasted Rita. Depois de vir de Erasmus comecei um blog, e o blog precisava de um nome, que primeiro seria Rita Bored, que ainda é o link do blog.”

A marca
A Wasted Rita é nome de artista mas também é selo de uma marca com um claim muito forte. Tu para além de artista, não também és uma marca? “Isso também é um assunto confuso na minha cabeça, não tenho isso decidido. Não sou marca de certeza, eu sou alguma coisa, mas marca não, por que isto é muito pessoal para ser uma marca, é mais o meu nome artístico.” Mas todos os teus trabalhos têm essa assinatura? “Eu trabalho trimestralmente com uma revista para crianças e assino Wasted Rita.”
As teorias
Li numa entrevista que a Rita gosta de estar sozinha. Tive de lhe perguntar se tem algum sítio secreto onde goste de estar sozinha. Tens algum sítio secreto? “Estar sozinha é o meu sítio secreto, mas há sítios onde me sinto mais confortável em estar sozinha. Sempre que me retiro sinto que estou em paz mesmo que no meio de uma multidão.” E sítios que visites regularmente? “Tenho Cabanas de Tavira, e sempre que vou lá é como se tivesse nascido. Criativamente é que não há sítio secreto para isso…” E onde escreves as tuas teorias? “Eu estou sempre a ter debates comigo própria, na minha cabeça, sobre o ser humano, a vida no geral. Coisas que eu sinto do que acontece à minha volta. Um exemplo é a série Human Beings God’s Only Mistake, que é uma série à base de teorias sobre humanidades. Se calhar teorias não é a palavra certa, mas devaneios, por aí.” Achas que a dor liberta? “Completamente, é a minha vidinha. Falo de dor não física. A dor interior pode ser muito libertadora e pode fazer crescer, mudar e criar.” Então o prazer prende? “Normalmente uma coisa que dá prazer, prende-te, torna-te viciado.” Dizes que não tens tempo para amar? “Neste momento não tenho tempo para ter alguém fixe para a vida, porque eu não consigo estabilizar em lado nenhum e só a palavra estabilizar dá-me arrepios interiores. Tenho tendência para encontrar pessoas que não estão disponíveis.” E pessoas novas são sempre ideias novas? “Nem sempre, por vezes são só amigos novos. Nem sempre suscitam novas ideias. Mas apesar de não parecer, gosto muito de conhecer pessoas e de estar rodeada de pessoas a conversarem.” Já sabes onde pertences? “Não, acho que não vou saber antes de experimentar sítios que estão na minha lista prioritária para conhecer: Califórnia, Nova Iorque, algumas cidades pelo Brasil. Gostava de ir a São Paulo e aquelas cidades mais pequenas. Só o ano passado, em que saí da Europa pela primeira vez, e foi logo à China, é que percebi que quanto mais diferente for o sítio, melhor. Quero experenciar isso mais vezes, é impossível as rotinas, porque cada dia é uma coisa nova.”

Tatuagens
A Rita tem várias palavras de ordem marcadas na pele, tínhamos de falar nisso. Never, True, A Better Tomorrow, significam? “Para mim, faz todo o sentido como o passar da minha vida e foi feita nos últimos dois anos. A última só fiz depois de sair de casa dos meus pais.”

Fica claro que és o escravo da fábula?
“Sim, eu sou de aguentar e fugir. Já tirei muitos espinhos de patas de leões e aprecio isso. Qualquer coisa de negativo que aconteça há sempre algo de positivo a seguir. Eu não tenho medo de coisas más, não entro na boa na caverna mas sei que se acontecer alguma merda, também se desenrasca.”

Onde podemos ver a Rita?
“Em Lisboa saio mais para coisas específicas, exposições, concertos. Podem ver-me muito a andar pela rua com os meus phones cinzentos nos ouvidos, por Alfama, Graça, esses sítios. No Porto estou só de passagem e raramente saio.”

Pergunta para o próximo artista a entrevistar:
“Se pudesses mudar a pessoa à tua frente, neste momento, que artista escolherias?” E tu qual escolherias? “A Amy Shumer, que nos últimos dias me tem dado muita alegria, a linha dela do que é perverso e não é, do que é feminino e não é, é muito a minha linha.”

Observação:
A entrevista foi realizada no Vertigo Café, com a voz do Luís e do Filipe em fundo. Foto dela mesma.



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escritor de personagens

Pedro Saavedra é um sonhaador com dois aa. É um artista que escreve, representa, pensa e programa como alguém que gosta (sempre) de acordar todos os dias. Formado pela ESTC, já foi actor, escritor, professor, encenador e programador. Foi professor de expressão dramática durante 5 anos. Foi director artístico, de uma companhia de teatro na cidade da amadora, durante 8 anos. E foi programador, de uma estação de metro no centro de Lisboa durante um ano. Actor em novelas, séries e filmes, também faz locuções, mas só ficou famoso uma vez por dizer na televisão: Este canal acaba de ser comprado pelo Sr.Nuno Cabral de Montalegre e a partir deste momento só passará folclore transmontano.

aprendeu com

Eusébio Paulino, Paulo Barcelos, João Mota, Glicínia Quartim, Glória de Matos, Anna Paula, Rui Mendes, Duarte Ivo Cruz, Paulo Morais, Eugénia Vasques, Valentim Lemos, Kot-Kotecki, Alexandre de Sousa, Águeda Sena, Natália de Matos, José Pedro Caiado, Fernanda Lapa, Filipe Crawford, Carlos J. Pessoa, Armando Nascimento Rosa, Abel Neves, Luca Aprea, Maria João Serrão, José Peixoto, Eimuntas Necrosius e Nuno Carinhas.

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Carla Chambel, Joaquim Benite, António Assunção, Luís Vicente, Teresa Gafeira, João Mota, Álvaro Correia, Carlos Paulo, Pedro Alvarez-Ossorio, Vlado Repnik, Robert Klancnik, Igor Stromajer, Joana Brandão, Joana Seixas, Margarida Cardeal, Pedro Matos, Gonçalo Portela, Vladimiro Guerreiro, Ana Cloe, Pedro Gil, Susana Arrais, Ana Costa, Ricardo Mendes, Alberto Quaresma, Miguel Damião, Rui Unas, Inês Castelo Branco, Dânia Neto, Sandra Faleiro, Ian Veloza, António Cordeiro, Tiago Guedes, Juvenal Garcês, Pedro Luzindro, Ricardo Cruz, Luciano Burgos, Martin Joab, Paulo Patraquim, Cristina Basílio, Alexandra Sargento, Ana Guiomar, Rogério Jacques, Frederico Amaral, Adriana Moniz, Lucília Raimundo, Tomé Quirino, José Pais, Rui Melo, Rui de Sá, Henrique Câmara Pina, Francisco Baptista, Márcia Leal, Toninho Neto, Joana Cruz, Susana Romana, Fernando Alvim, Rui Miguel Pereira, Miguel Valverde, Joaquim Leitão, Ema Cerveira, Miguel Bica e Tiago Sigorelho, entre outros.